Pense nisso!




O convívio nas artes e as artes no convívio

 Subestimar essa linguagem na escola é ignorar parte fundamental
da cultura e empobrecer a formação para a vida e para o trabalho.


Tanto quanto as ciências e as demais dimensões da cultura, a arte se aprende praticando, compreendendo e apreciando. Por isso, ela é para ser vivida, conhecida e saboreada. Curioso pensar que, diferentemente do que ocorreu na história humana, na qual as artes antecederam a escrita, as crianças da Educação Infantil cantam, moldam, dançam, representam e desenham enquanto iniciam seu processo de letramento. Mas é preciso reconhecer: à medida que avança a Educação Básica, a Arte frequentemente perde espaço. A disciplina vai sendo reduzida ou confirmada, talvez porque em muitas escolas o caráter cognitivo da formação se empobrece, em prejuízo do sentido mais amplo do educar.

Por isso, é oportuno questionar: por que as artes têm tido um papel menor na Educação? Deixá-las em segundo plano é um simples equívoco ou reflexo de sua importância? Elas devem ser reconhecidas somente na disciplina de Arte ou também nas demais?

As respostas a essas questões podem ajudar professores de todas as áreas a educar melhor, como mostrarei a seguir. Isso depende, porém, de uma compreensão mais lúcida do mundo e do sentido da escola, que leve à superação de um pragmatismo equivocado que substitui formação por treinamento desde os primeiros anos da vida escolar.

Artes existem desde a pré-história e estão na origem da civilização. Em todas as épocas, deram forma a utensílios, edificações, representações e rituais, caracterizando cada cultura. O passado das artes persiste na imponência gótica da catedral, no enlevo da música barroca e na graça eterna do teatro de máscaras. Desprezá-lo seria como só ver sentido no último capítulo de uma obra sem ler os anteriores. Até hoje, as artes dão forma a inúmeras manifestações, não importa se seja o break na calçada ou o balé no palco, o conceito surpreendente da página do webdesigner ou a ponte estaiada do arquiteto. Esse amplo universo não pode ser ignorado pela escola.

Só quem teve o privilégio de estudar em uma boa instituição, que valoriza as artes, sabe a importância de participar de um conjunto musical, de uma oficina de teatro e de grafite ou de ter visitado mostras e museus. Desenvolvendo a sensibilidade e o gosto do convívio nas artes se aprende também a arte no convívio. Valores como respeito, cooperação e tolerância também estão em jogo quando se ensina e se aprende Arte. Basta se lembrar do movimento entre os personagens numa peça ou do intervalo deixado para um solo de bateria. Ambos exercitam tais atitudes, nos preparando para lidar com uma intervenção durante reuniões de trabalho ou com opiniões divergentes numa discussão entre amigos.

História e Geografia, entre outras, também podem ser integradas à Arte.    Não porque esta esteja a serviço de outras disciplinas, nas porque contribui com elas. Afinal, fazer a maquete do bairro dá mais realidade ao mapa, assim como analisar uma cerâmica ou uma pintura traz o passado para a sala.

No entanto, ainda há quem acredite que o interesse pelas artes é irrelevante e existem muitas escolas que formatam seus currículos em função dessa percepção. Pois, para quem, por equívocos como esses, encara as artes como opostas a outras atividades, posso contar que o mais ilustre cientista com quem convivi, meu mestre Mário Schenberg (1914-1990), foi um reconhecido crítico de artes, além de grande físico brasileiro. O mais ilustre cientista com quem ele conviveu, o físico alemão Albert Einstein (1879-1955), também tinha grande interesse pelo tema: gostava de música, ticava violino e não fez segredo sobre o quanto suas ideias nas ciências foram fortemente influenciadas pelo que ele aprendeu com a literatura.

 (Luiz Carlos de Menezes – Físico e educador da Universidade de São Paulo/USP)
(Revista Nova Escola – Ano XXVII – N° 251 – Abr./2012 - Ed. Abril)





A arte como objeto de conhecimento




“A coisa mais bela que podemos vivenciar é o mistério.
Ele é a fonte fundamental de toda verdadeira Arte e de toda Ciência."

(Albert Einstein)

O universo da arte caracteriza um tipo particular de conhecimento que o ser humano produz a partir das perguntas fundamentais que desde sempre se fez com relação ao seu lugar no mundo.
A manifestação artística tem em comum com o conhecimento científico, técnico ou filosófico seu caráter de criação e inovação. Essencialmente, o ato criador, em qualquer dessas formas de conhecimento, estrutura e organiza o mundo, respondendo aos desafios que dele emanam, num constante processo de transformação do homem e da realidade circundante. O produto da ação criadora, a inovação, é resultante do acréscimo de novos elementos estruturais ou da modificação de outros. Regido pela necessidade básica de ordenação, o espírito humano cria, continuamente, sua consciência de existir por meio de manifestações diversas.
O ser humano sempre organizou e classificou os fenômenos da natureza, o ciclo das estações, os astros no céu, as diferentes plantas e animais, as relações sociais, políticas e econômicas, para compreender seu lugar no universo, buscando a significação da vida.
Tanto a ciência quanto a arte, respondem a essa necessidade mediante a construção de objetos de conhecimento que, juntamente com as relações sociais, políticas e econômicas, sistemas filosóficos e éticos, formam o conjunto de manifestações simbólicas de uma determinada cultura. Ciência e arte são, assim, produtos que expressam as representações imaginárias das distintas culturas, que se renovam através dos tempos, construindo o percurso da história humana. A própria ideia de ciência como disciplina autônoma, distinta da arte, é produto recente da cultura ocidental. Nas antigas sociedades tradicionais não havia essa distinção: a arte integrava a vida dos grupos humanos, impregnada nos ritos, cerimônias e objetos de uso cotidiano; a ciência era exercida por curandeiros, sacerdotes, fazendo parte de um modo mítico de compreensão da realidade.
Mesmo na cultura moderna, a relação entre arte e ciência apresenta-se de diferentes maneiras, do início do mundo ocidental até os dias de hoje. Nos séculos que se sucederam ao Renascimento, arte e ciência eram cada vez mais consideradas como áreas de conhecimento totalmente diferentes, gerando uma concepção falaciosa, segundo a qual a ciência seria produto do pensamento racional e a arte, pura sensibilidade. Na verdade, nunca foi possível existir ciência sem imaginação, nem arte sem conhecimento. Tanto uma como a outra são ações criadoras na construção do devir humano. O próprio conceito de verdade científica cria mobilidade, torna-se verdade provisória, o que muito aproxima estruturalmente os produtos da ciência e da arte.
Os dinamismos do homem que apreende a realidade de forma poética e os do homem que a pensa cientificamente são vias peculiares e irredutíveis de acesso ao conhecimento, mas, ao mesmo tempo, são dois aspectos da unidade psíquica. Há uma tendência cada vez mais acentuada nas investigações contemporâneas no sentido de dimensionar a complementaridade entre arte e ciência, precisando a distinção entre elas e, ao mesmo tempo, integrando-as numa nova compreensão do ser humano. Nova, mas nem tanto. Existem muitas obras sobre o fenômeno da criatividade que citam exemplos de pessoas que escreveram a respeito do próprio processo criador. Artistas e cientistas relatam ocorrências semelhantes, tornando possível a sistematização de certas invariantes, como por exemplo, o ponto culminante da ação criadora, a famosa “Eureka!”: o instante súbito do “Achei!” pode ocorrer para o matemático na resolução repentina de um problema, num momento em que ele não esteja pensando no assunto. Da mesma forma, um músico passeava a pé depois do almoço, quando lhe veio uma sinfonia inteira na cabeça; só precisou sentar depois para escrevê-la. É claro que nos dois casos, tanto o matemático quanto o músico estiveram durante um longo tempo anterior maturando questões, a partir de um processo contínuo de levantamento de dados, investigando possibilidades.
Parece que, em geral, esse caráter de “iluminação súbita” é comum à arte e à ciência, como algo que se revela à consciência do criador, vindo à tona independentemente de sua vontade, quer seja naquele ou noutro momento, mas sendo posterior a um imprescindível período de trabalho árduo sobre o assunto.
Malba Tahan, um dos mais importantes educadores brasileiros no campo da matemática, disse, no início da década de trinta, que a solução de um problema matemático é um verdadeiro poema de beleza e simplicidade.
Para um cientista, uma fórmula pode ser “bela”; para um artista plástico, as relações entre a luz e as formas são “problemas a serem resolvidos plasticamente”. Parece que há muito mais coisas em comum entre estas duas formas de conhecimento do que sonha nossa vã filosofia.
Esta discussão interessa particularmente ao campo da educação, que manifesta uma necessidade urgente de formular novos paradigmas que evitem a oposição entre arte e ciência, para fazer frente às transformações políticas, sociais e tecnocientíficas que anunciam o ser humano do século XXI.
Apenas um ensino criador, que favoreça a integração entre a aprendizagem racional e estética dos alunos, poderá contribuir para o exercício conjunto complementar da razão e do sonho, no qual conhecer é também maravilhar-se, divertir-se, brincar com o desconhecido, arriscar hipóteses ousadas, trabalhar duro, esforçar-se e alegrar-se com descobertas.
 (PCN – Arte)

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