O
convívio nas artes e as artes no convívio
da
cultura e empobrecer a formação para a vida e para o trabalho.
Tanto quanto as ciências e as demais dimensões da
cultura, a arte se aprende praticando, compreendendo e apreciando. Por isso,
ela é para ser vivida, conhecida e saboreada. Curioso pensar que,
diferentemente do que ocorreu na história humana, na qual as artes antecederam
a escrita, as crianças da Educação Infantil cantam, moldam, dançam, representam
e desenham enquanto iniciam seu processo de letramento. Mas é preciso
reconhecer: à medida que avança a Educação Básica, a Arte frequentemente perde
espaço. A disciplina vai sendo reduzida ou confirmada, talvez porque em muitas
escolas o caráter cognitivo da formação se empobrece, em prejuízo do sentido mais
amplo do educar.
Por isso, é oportuno questionar: por que as artes
têm tido um papel menor na Educação? Deixá-las em segundo plano é um simples
equívoco ou reflexo de sua importância? Elas devem ser reconhecidas somente na
disciplina de Arte ou também nas demais?
As respostas a essas questões podem ajudar
professores de todas as áreas a educar melhor, como mostrarei a seguir. Isso
depende, porém, de uma compreensão mais lúcida do mundo e do sentido da escola,
que leve à superação de um pragmatismo equivocado que substitui formação por
treinamento desde os primeiros anos da vida escolar.
Artes existem desde a pré-história e estão na origem
da civilização. Em todas as épocas, deram forma a utensílios, edificações,
representações e rituais, caracterizando cada cultura. O passado das artes
persiste na imponência gótica da catedral, no enlevo da música barroca e na
graça eterna do teatro de máscaras. Desprezá-lo seria como só ver sentido no
último capítulo de uma obra sem ler os anteriores. Até hoje, as artes dão forma
a inúmeras manifestações, não importa se seja o break na calçada ou o balé no palco, o conceito surpreendente da
página do webdesigner ou a ponte
estaiada do arquiteto. Esse amplo universo não pode ser ignorado pela escola.
Só quem teve o privilégio de estudar em uma boa
instituição, que valoriza as artes, sabe a importância de participar de um
conjunto musical, de uma oficina de teatro e de grafite ou de ter visitado
mostras e museus. Desenvolvendo a sensibilidade e o gosto do convívio nas artes
se aprende também a arte no convívio. Valores como respeito, cooperação e
tolerância também estão em jogo quando se ensina e se aprende Arte. Basta se
lembrar do movimento entre os personagens numa peça ou do intervalo deixado
para um solo de bateria. Ambos exercitam tais atitudes, nos preparando para
lidar com uma intervenção durante reuniões de trabalho ou com opiniões
divergentes numa discussão entre amigos.
História e Geografia, entre outras, também podem ser
integradas à Arte. Não porque esta
esteja a serviço de outras disciplinas, nas porque contribui com elas. Afinal,
fazer a maquete do bairro dá mais realidade ao mapa, assim como analisar uma
cerâmica ou uma pintura traz o passado para a sala.
No entanto, ainda há quem acredite que o interesse
pelas artes é irrelevante e existem muitas escolas que formatam seus currículos
em função dessa percepção. Pois, para quem, por equívocos como esses, encara as
artes como opostas a outras atividades, posso contar que o mais ilustre cientista
com quem convivi, meu mestre Mário Schenberg (1914-1990), foi um reconhecido
crítico de artes, além de grande físico brasileiro. O mais ilustre cientista
com quem ele conviveu, o físico alemão Albert Einstein (1879-1955), também
tinha grande interesse pelo tema: gostava de música, ticava violino e não fez
segredo sobre o quanto suas ideias nas ciências foram fortemente influenciadas
pelo que ele aprendeu com a literatura.
(Revista Nova Escola – Ano XXVII – N° 251 –
Abr./2012 - Ed. Abril)
A arte como objeto de conhecimento
“A coisa mais
bela que podemos vivenciar é o mistério.
Ele é a fonte fundamental de toda verdadeira Arte e de toda Ciência."
(Albert Einstein)
O universo da arte caracteriza um tipo
particular de conhecimento que o ser humano produz a partir das perguntas
fundamentais que desde sempre se fez com relação ao seu lugar no mundo.
A manifestação artística tem em comum com o
conhecimento científico, técnico ou filosófico seu caráter de criação e
inovação. Essencialmente, o ato criador, em qualquer dessas formas de
conhecimento, estrutura e organiza o mundo, respondendo aos desafios que dele
emanam, num constante processo de transformação do homem e da realidade
circundante. O produto da ação criadora, a inovação, é resultante do acréscimo
de novos elementos estruturais ou da modificação de outros. Regido pela
necessidade básica de ordenação, o espírito humano cria, continuamente, sua
consciência de existir por meio de manifestações diversas.
O ser humano sempre organizou e classificou
os fenômenos da natureza, o ciclo das estações, os astros no céu, as diferentes
plantas e animais, as relações sociais, políticas e econômicas, para compreender
seu lugar no universo, buscando a significação da vida.
Tanto a ciência quanto a arte, respondem a
essa necessidade mediante a construção de objetos de conhecimento que,
juntamente com as relações sociais, políticas e econômicas, sistemas filosóficos
e éticos, formam o conjunto de manifestações simbólicas de uma determinada
cultura. Ciência e arte são, assim, produtos que expressam as representações
imaginárias das distintas culturas, que se renovam através dos tempos,
construindo o percurso da história humana. A própria ideia de ciência como
disciplina autônoma, distinta da arte, é produto recente da cultura ocidental. Nas
antigas sociedades tradicionais não havia essa distinção: a arte integrava a
vida dos grupos humanos, impregnada nos ritos, cerimônias e objetos de uso
cotidiano; a ciência era exercida por curandeiros, sacerdotes, fazendo parte de
um modo mítico de compreensão da realidade.
Mesmo na cultura moderna, a relação entre
arte e ciência apresenta-se de diferentes maneiras, do início do mundo
ocidental até os dias de hoje. Nos séculos que se sucederam ao Renascimento, arte
e ciência eram cada vez mais consideradas como áreas de conhecimento totalmente
diferentes, gerando uma concepção falaciosa, segundo a qual a ciência seria
produto do pensamento racional e a arte, pura sensibilidade. Na verdade, nunca
foi possível existir ciência sem imaginação, nem arte sem conhecimento. Tanto
uma como a outra são ações criadoras na construção do devir humano. O próprio
conceito de verdade científica cria mobilidade, torna-se verdade provisória, o
que muito aproxima estruturalmente os produtos da ciência e da arte.
Os dinamismos do homem que apreende a
realidade de forma poética e os do homem que a pensa cientificamente são vias
peculiares e irredutíveis de acesso ao conhecimento, mas, ao mesmo tempo, são
dois aspectos da unidade psíquica. Há uma tendência cada vez mais acentuada nas
investigações contemporâneas no sentido de dimensionar a complementaridade
entre arte e ciência, precisando a distinção entre elas e, ao mesmo tempo,
integrando-as numa nova compreensão do ser humano. Nova, mas nem tanto. Existem
muitas obras sobre o fenômeno da criatividade que citam exemplos de pessoas que
escreveram a respeito do próprio processo criador. Artistas e cientistas
relatam ocorrências semelhantes, tornando possível a sistematização de certas
invariantes, como por exemplo, o ponto culminante da ação criadora, a famosa
“Eureka!”: o instante súbito do “Achei!” pode ocorrer para o matemático na
resolução repentina de um problema, num momento em que ele não esteja pensando
no assunto. Da mesma forma, um músico passeava a pé depois do almoço, quando
lhe veio uma sinfonia inteira na cabeça; só precisou sentar depois para
escrevê-la. É claro que nos dois casos, tanto o matemático quanto o músico
estiveram durante um longo tempo anterior maturando questões, a partir de um
processo contínuo de levantamento de dados, investigando possibilidades.
Parece que, em geral, esse caráter de
“iluminação súbita” é comum à arte e à ciência, como algo que se revela à
consciência do criador, vindo à tona independentemente de sua vontade, quer seja
naquele ou noutro momento, mas sendo posterior a um imprescindível período de
trabalho árduo sobre o assunto.
Malba Tahan, um dos mais importantes
educadores brasileiros no campo da matemática, disse, no início da década de
trinta, que a solução de um problema matemático é um verdadeiro poema de beleza
e simplicidade.
Para um cientista, uma fórmula pode ser
“bela”; para um artista plástico, as relações entre a luz e as formas são
“problemas a serem resolvidos plasticamente”. Parece que há muito mais coisas
em comum entre estas duas formas de conhecimento do que sonha nossa vã
filosofia.
Esta discussão interessa particularmente ao
campo da educação, que manifesta uma necessidade urgente de formular novos
paradigmas que evitem a oposição entre arte e ciência, para fazer frente às
transformações políticas, sociais e tecnocientíficas que anunciam o ser humano do
século XXI.
Apenas um ensino criador, que favoreça a
integração entre a aprendizagem racional e estética dos alunos, poderá
contribuir para o exercício conjunto complementar da razão e do sonho, no qual conhecer
é também maravilhar-se, divertir-se, brincar com o desconhecido, arriscar
hipóteses ousadas, trabalhar duro, esforçar-se e alegrar-se com descobertas.
(PCN – Arte)
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